Silvia e Rachel, profissionais e testemunhas que resolveram falar sobre tudo que sabem sobre o caso.
Foram quase dois meses de
investigação e apuração, até que tudo se transformasse em uma denúncia que
deixou pais assustados e autoridades em alerta, fundada em depoimentos, com cópias
de documentos, relatos de pais e que remetem à irresponsabilidade de quem
deveria ter denunciado o caso das falsificações dos cartões de vacina,
atribuídas até então à diretora de Saúde, Sandra Ribeiro, e que deveriam ser levadas
à polícia e à Justiça, ou seja, sob a responsabilidade do secretário de Saúde,
José Mourão Lasmar, e da própria prefeita Jussara Menicucci.
Diante da fala da diretora de Saúde
de Lavras, que de forma “bravática”, chacoalhando a capa da Tribuna de Lavras no
plenário da Câmara Municipal, chegou a atribuir a falsificação da cópia de um
cartão, publicado na matéria, ao jornal, insinuando inclusive que a reprodução
teria sido adulterada pelo responsável pela reportagem. Diante da bravata
oficial amparada pela proteção sem direito à réplica da Câmara de Veredaores, resolvi
apurar as informações para que a verdade sobre o caso pudesse vir à tona. O que
encontrei agora, ao longo da apuração, além de documentos originais fraudados,
foi a constatação testemunhal das irregularidades apontadas, crimes previstos
no Código Penal e a falta de responsabilidade de quem deveria agir e assim não
o fez, o que também é crime.
Através de uma visita surpresa, sem
hora marcada, encontrei as servidoras Rachel das Graças Ferreira e Sílvia
Maria de Souza - a primeira, enfermeira cedida pelo Governo Federal para
trabalhar no Posto de Saúde da Chacrinha, e a segunda, auxiliar de enfermagem
no mesmo posto, ambas com mais de 25 anos de experiência no serviço público.
Na oportunidade, levei ao
conhecimento delas o processo administrativo que iriam responder devido às
acusações públicas feitas por Sandra Ribeiro de que teriam sido elas as
responsáveis pelos “enganos” encontrados nos cartões de vacina. Diante da cópia
da publicação feita pela prefeita, abrindo um processo administrativo contra várias
profissionais, teriam ficado indignadas e se propuseram a falar tudo que sabiam
sobre o caso, com riqueza de detalhes.
Foi quase uma hora de conversa
gravada, com autorização das funcionárias, sobre o caso e com direito a pontos minuciosos
a respeito das falsificações e de quem teria tido acesso aos documentos e às graves
denúncias até então engavetadas até a data das publicações pela Secretaria de Saúde
e pela prefeitura de Lavras.
Os cartões foram adulterados para que metas de vacinação pudessem ser atingidas pela prefeitura de Lavras para sair do último lugar em relação aos 50 municipios que compõem a região a qual Lavras pertence.
O
INÍCIO
Segundo a enfermeira Rachel Ferreira,
as falsificações foram detectadas por ela após receber pedidos da diretora de Saúde,
Sandra Ribeiro, para que cartões fossem enviados até ela, sem, contudo, falar
os motivos para os envios. Segundo Rachel, quando os cartões foram reenviados pela
diretora ao posto, as adulterações, relacionadas às crianças do Poso da
Chacrinha, foram descobertas.
OS
PERSONAGENS
Rachel teria então procurado Sandra
Ribeiro para saber o porquê dos documentos terem sido adulterados e teria
recebido a resposta de que foram adulterados por suas funcionárias, na Secretaria
de Saúde, onde foram feitas as anotações, mas que não teria nenhum problema em
relação a isso. Após averiguar, a servidora disse que estranhamente, Sandra
praticava o mesmo procedimento em outros postos da cidade. Por temer
responsabilidades futuras, diante das falsificações, Rachel teria procurado por
Vanessa Abrãao, coordenadora de Vigilância Epidemiológica, e pela enfermeira e
ex-secretária de Saúde, Gilza Carvalho.
Segundo Rachel, após ter sido
notificada do caso, Gilza teria ido até o Posto de Saúde para tomar ciência das
adulterações e falsificações de cartões das crianças e de assinaturas.
De posse dos dados, Gilza Carvalho teria
comunicado Vanessa Abrãao, que teria dito que já sabia das denúncias e que não
iria denunciar por ser contratada e temia perder seu emprego. De acordo com a
enfermeira, Gilza teria então procurado o secretário de Saúde e levado a denúncia
recebida, e, formalmente, apresentada ao secretário Mourão Lasmar.
A REUNIÃO
Ainda de acordo com Rachel, uma
reunião envolvendo Vanessa Abraão, Gilza Carvalho, Sandra Ribeiro e José Mourão
Lasmar, teria ocorrido no recinto da Secretaria de Saúde para tratar do
assunto. Segundo a funcionária, ela foi informada de que na reunião teria sido
acertado que Sandra faria um oficio à Superintendência Regional de Saúde (SRS),
em Varginha, para tentar minimizar a situação caso as falsificações viessem a
se tornar publicas.
No ofício, Sandra se
responsabilizaria, de forma a não comprometer a secretaria, e tiraria a
responsabilidade do Mourão Lasmar, sem, contudo, ser punida ou sofrer algum
processo administrativo pelo fato.
O ofício, conforme nota publicada
por Sandra Ribeiro, foi encaminhado à SRS sob o protocolo 425/2011/SMR/CPSF.
LOTES E
ASSINATURAS
Em seu
pronunciamento na Câmara, Sandra Ribeiro disse que as assinaturas nos cartões,
bem como os lotes inscritos, eram autênticos e que os lotes, então questionados
pelo vereador Marcos Cherem, existiam e a repetição de alguns deles teriam
ocorrido devido a “erros das enfermeiras” que não estariam fazendo sua parte de
forma correta, justificando com isso a sua “intervenção” no processo de alterações
dos cartões de vacina.
Diante das
afirmações, perguntamos a Rachel Ferreira
se as assinaturas constantes em alguns documentos, conforme se lê, seriam dela.
A servidora negou taxativamente e disse que
muitas assinaturas constantes das fichas, como sendo suas, eram falsas.
Com a chegada da
auxiliar de enfermagem, Silvia Maria de Souza, também arrolada no processo
administrativo pela prefeita Jussara Menicucci, perguntamos se a assinatura
constante na cópia do cartão publicado na matéria da TRIBUNA DE LAVRAS seria
dela. Sem querer sequer olhar no papel, Silvia disse que tinha visto a
assinatura na publicação do jornal e afirmou que não era dela. Ela fez várias
assinaturas ao lado da publicação para que pudesse verificar que a dela era
muito diferente da que se encontrava no cartão.
Outro dado informado
e que intriga, é o aparecimento de uma assinatura, em várias datas, sendo uma
em outubro de 2011, de uma funcionária chamada Ana Lúcia. Segundo as
enfermeiras, Ana Lúcia teria sido aposentada em fevereiro daquele mesmo ano e
nunca mais teria voltado a trabalho ao posto. Mas, em algumas fichas, aparece
uma assinatura como sendo da enfermeira que já estava aposentada há 10 meses.
AGENDAMENTOS
De posse da cópia
em mãos, perguntamos às duas funcionárias se o argumento utilizado pela
diretora de Saúde, Sandra Ribeiro, de que as datas constantes em 13 de outubro
como sendo agendamentos, seriam verdade. Ambas negaram categoricamente.
Disseram que quando há agendamentos, as anotações são feitas a lápis, sem
constar os lotes das vacinas e nem tão pouco o local onde elas teriam sido
aplicadas. Na cópia publicada, tanto o lote quanto a data e o local da
vacinação teriam sido “criados” e que aquelas vacinas nunca foram
administradas.
Perguntadas se é
comum uma diretora de Saúde fazer ligações para as mães para saber de prováveis
vacinas aplicadas nas crianças, ambas foram incisivas: “Em quase 30 anos de
profissão, foi a primeira vez que ouvimos falar que alguém, de fora do posto,
fizesse isso”, afirmaram Raquel e Silvia.
Através de telefonemas,
entramos em contato com aproximadamente 25 responsáveis por menores, em tese,
“vacinados” pela secretaria. Todos foram taxativos: “Ninguém ligou aqui não,
moço?!”.
A OMISSÃO
Perguntadas se a
prefeita teria tido ciência do caso, elas disseram que o secretário Mourão
Lasmar teria dito à época que iria levar ao conhecimento de Jussara Menicucci. Mas,
segundo elas, o secretário teria tido todas as informações a respeito do caso.
O MOTIVO
As funcionárias
disseram que resolveram falar sobre o assunto após saber das declarações da
diretora de Saúde e da abertura do processo administrativo pela prefeita Jussara Menicucci por considerarem um absurdo a
intenção de serem responsabilizadas pelas falsificações de cartões, lotes e
assinaturas apresentadas na denúncia.
Indagadas se
temiam represálias, elas disseram que sim, mas que a responsabilidade
profissional tinha que falar mais alto neste momento, onde todos estariam se
eximindo das responsabilidades e não teriam feito nada quando tomaram
conhecimento das denúncias.
As funcionárias
disseram que se forem ameaçadas ou demitidas, irão buscar o Ministério Público
ou a Justiça para garantirem seus direitos caso haja algum tipo de perseguição.
AS PARTES
Na
manhã de ontem, sexta-feira, procuramos
o secretário Mourão Lasmar para falar sobre as declarações das servidoras. A
atendente disse que ele estava na secretaria. Ao me identificar, ela disse que
iria ver se Mourão poderia atender e voltou com a informação de que ele estaria
em reunião com a Vigilância Epidemiológica. Por volta do meio-dia e meia,
conversamos com a diretora de Saúde, Sandra Ribeiro.
Ao informar de que iria publicar uma
matéria fundada em declarações de funcionárias, Sandra disse que não iria falar
nada sobre o caso e que ele seria investigado pelo Ministério Público e sugeriu
que eu não publicasse mais nada sobre este assunto.
Por telefone, tentei falar com Gilza
Carvalho na Secretaria de Saúde durante toda a manhã e no início da tarde, mas,
segundo informações prestadas pela atendente Janaina, ela teria passado mal e estaria
sendo atendida na UPA.
Vanessa Abraão também foi procurada
e não foi encontrada para falar sobre o assunto. No final da tarde, procuramos
a prefeita Jussara Menicucci, através da sua assessoria de Comunicação. O
assessor, Dieter Stein, atendeu ao telefone, tomou ciência do teor da matéria e
disse que retornaria em instantes. Ao retornar a ligação, Stein disse que a
posição oficial da prefeitura foi a defendida por Sandra Ribeiro no plenário da
Câmara, e que cumpriu o seu dever ao abrir o processo administrativo contra as
servidoras.
OS CRIMES
Caso
seja oferecida a denúncia por parte do Ministério Público, alguns dos
envolvidos poderão responder por falsidade ideológica, prevaricação e
estelionato, além de colocar em risco vidas de outrem, no caso, as crianças que
tiveram os cartões falsificados, como se já tivessem sido vacinadas. Em alguns
crimes existe a previsão de detenção de até sete anos. O MP já investiga o caso.